Suas coisas dão colo? O problema do valor afetivo


A maior dificuldade que temos para desapegar das coisas é o famoso “valor afetivo”. Quer dizer que nós olhamos para uma coisa sem vida e temos uma reação que é reconhecida como afetiva: uma lembrança de alguém que amamos, um momento bom que passamos e ainda estamos apegados a ele. Encontramos em alguns objetos alegria e conforto, algumas coisas nos dão colo; será mesmo?

No feriado fomos à Piracicaba.  É um passeio muito legal regado a peixe, linda arquitetura e ótima infra-estrutura que recomendo!

Atravessando a Ponte Estaiada, tentando desconectar dos meus pés doloridos e ouvir o barulho do rio eis que me deparo com a seguinte cena:

um menino com seus 7 anos chora (faz manha…) ao pai pedindo colo. O pai, numa voz muito clara e calma, como se falasse à um adulto, lhe diz: – Não posso te pegar no colo pois estou com dor, seu irmão só está no colo da sua mãe por que tem menos da metade do teu tamanho…  O menino, continuou tentando fazer manha (nem ele se convencia muito do choro) mas, sem ter outra solução teve que continuar caminhando, pois afinal o importante mesmo é continuar com a família… (ai, que medo de ficar sozinho!)

Fiquei pensando em quantas vezes eu fiz a mesma coisa com meus pais. Desafiá-los a provar que me amavam tanto quanto à minha irmã (5 anos mais nova), buscar uma demonstração externa de uma verdade interna, medir uma coisa sem medida.

Então minha mente vagou para quantas vezes, apesar de uma voz interior calma e racional me dizer que não devia, eu busquei colo (conforto ou alegria) na compra de algo. Quantas vezes não me desfiz de algum item achando que, junto dele, eu jogaria fora a relação com a pessoa que me presenteou. Quantas vezes esquecemos a razão e a verdade em frente aos nossos olhos e consumimos algo na esperança de nos conectarmos com alguém, com algo, com o mundo ou com nós mesmos?

Pouco antes – eu preciso confessar – eu havia tomado um picolé. Não porque eu queria um picolé – muito menos precisasse dele – mas porque minha família, queria tomar um picolé. O picolé para mim era um símbolo: um símbolo de que eu estava feliz em compartilhar aquele dia com eles, de que eu estava lá com eles. Esquecendo que de fato eu estava feliz em estar com eles e que não seria um picolé que ia mudar isso…

Roupas novas para nos conectarmos com o mundo, coisas caras para comprovar nosso sucesso, doces para nos fazer feliz, banquetes para unir a família. De maneira errada relacionamos a alegria da experiência aos objetos e não às pessoas com as quais as dividimos. Atribuímos o prazer de tomar um café ao café e não ao fato de poder saboreá-lo.

Confundimos o Memento (em latim), o Souvenir (em francês), a “lembrancinha” com a lembrança – seria culpa da língua portuguesa? Dos tempos modernos, do marketing, da nossa mente sempre vagante nunca presente? Confundimos estar presente com um picolé!

Exercício diário é manter os olhos (e a mente) abertos para não confundir os gestos e as coisas com amor.  Um exercício ainda mais importante quando estamos convivendo por períodos mais longos(férias e feriados) com aqueles que nos são mais próximos do coração.

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